terça-feira, 20 de outubro de 2015

Salário e dívidas, uma lição do meu pai

Em uma época que eu ainda morava em Campo Grande, toda quarta depois do cursinho eu ia com meu pai e minha irmã à casa dos meus avós, no centro da cidade, almoçar. Era o melhor dia da semana. Comer a comida da minha vó (que por sorte poderia ser árabe de vez em quando), deitar um pouco naquele quarto grande, cheio de cobertores felpudos, depois do almoço e descer para escolher alguns livros na Maciel, um sebo velho que dividia a pequena quadra com o prédio.
Em um desses dias, já voltando para o cursinho, lembro-me de ter uma conversa com meu pai sobre salário e dívidas. Estávamos na garagem quando ele me contou a história de um amigo.
-Mô, para viver bem, sem faltar nada, quanto você quer de ganhar?
-Quanto eu gostaria de ganhar ou quanto eu acho que vou ganhar?
-Quanto você acha que precisa para manter sua vida sem necessidades e sem se endividar.
-Acho que três mil. Não, pelo menos 2,500. Por que?
-Eu tinha um amigo -ele começou dizendo- chamado Marcos. Nós trabalhávamos juntos no SESC. Marcos vivia reclamando que não ganhava o suficiente, que estava sempre endividado porque seu salário não era o bastante para sustentá-lo. Ele ganhava algo em torno de mil reais. Um dia, ele já não estava mais na empresa. Nos encontramos alguns meses depois na rua, ele com um carrão, todo sorridente me disse: "Junior! Ah, rapaz, que bom te ver! Mudei de empresa, sabe? Estou ganhando dez mil reais. Agora já paguei minhas dívidas, estou feliz da vida, nunca mais vou passar aperto." Eu o dei os parabéns, era bom vê-lo feliz, e perguntei do carro. O que ele me disse foi que essa seria sua única dívida.
Alguns anos depois, nos cruzamos em um restaurante, lá no Jardim dos Estados, ele estava abatido. Novamente endividado.
O que eu quero que você entenda com essa história é: ser um devedor é uma característica da pessoa, não depende do salário. Existem pessoas muito simples que vivem a vida humildemente, poupando e que conseguem sair dessa condição sem nunca se endividar, como fizemos para criar vocês. Por outro lado, existem milionários que perdem tudo o que construíram pelo vício de consumir. Aumentam suas rendas, mas com elas também seus gastos e a superficialidade das coisas que compram. Pense nisso toda vez que estiver com muita vontade de comprar algo.

Nós chegamos na porta do cursinho. Ele me deu um beijo e eu fui pra aula, pensativa.

Quando assisto aos jornais, ouço colegas e professores apoiando o aumento da dívida pública ou o seu fim através de impostos e de operações de crédito, achando que esse é o meio de acabar de vez com o problema do endividamento, eu fico pensando nesse dia.
Quem educou essas crianças?

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