terça-feira, 3 de novembro de 2015

Propagandas na TV

Esse texto não é um romance sobre meu chamado à vida de funcionaria pública, não se assuste. É bem menos interessante do que isso.

Eu me lembro da época que aconteceu a votação do Estatuto do Desarmamento. Era um tempo que eu via tv sentada no chão, com o pé sujo de tanto correr pela casa e vivia com os cabelos presos para cima. Passava o jornal, vídeo show e outras baboseiras na hora do almoço, mas o que eu gostava de assistir era a propaganda do Governo Federal e de algumas estatais (apesar de não entender direito o que significava "ser estatal"). Sim, dava até uns arrepios.
Hoje, durante essa nova fase de ver tv sentada no sofá e razoavelmente penteada, sou atenta a outros comerciais também, e mais chata. Acho que as propagandas no Brasil, de tão ruins, muitas vezes fazem um deserviço à própria marca. Fico constrangida pelos atores dos comerciais (já imaginou ser protagonista do comercial da Unimed?) e pra mim, é mais comum decidir onde eu não vou comprar (ou ter orgulho de comprar) pela publicidade do que o contrário, tipo escolha por eliminação.
Mas uma coisa não muda, a qualidade da propaganda estatal continua impecável.
Está tudo lá: as frases de efeito, os melhores roteiros, os melhores atores (que mesmo não dizendo nada, transparecem sinceridade e orgulho de ser brasileiro apenas com o olhar e aquele meio-sorriso, clássico), a batida no peito, o vento, o sol. Culpa das câmeras de última geração, da trilha sonora perfeita. Se eu fosse lançar-me modelo/atriz, certamente, seria na propaganda da Petrobrás.

Mas agora, com idade suficiente para olhar além dos truques publicitários, eu percebo que há algo de errado nessa história que contei.

Afinal, por que existe propaganda estatal? Não é como se pudéssemos optar por não usar a Light (fornecedora de energia elétrica no RJ) ou mesmo o serviço mediano/ruim/caro dos Correios. Eu não compro esses serviços pela qualidade, pelo preço, pela eficiência, mas por eles serem monopólios dentro de seus mercados. Então por que as propagandas promovidas pelo governo federal são tão caras? Nós pagamos por elas com "dinheiro público" que poderia ser utilizado para inúmeros outros fins, mas está sendo usado para colocar um comercial no ar de algo que você já é obrigado a consumir de qualquer jeito. É o governo tentando te convencer de que a sua única opção é a melhor! Não é hilário? Bom, eu não acho.

Depois de algum tempo pensando e ouvindo profissionais que trabalham na televisão, cheguei a uma conclusão. Me corrijam se eu estiver errada.

A mídia é um dos maiores poderes em uma sociedade como a nossa. Além de influenciar fortemente o que decidimos consumir (ou seja, onde colocamos nosso dinheiro), ela forma, deforma e molda opiniões. E do que ela vive? Não é de audiência, como se acredita por um raciocínio incompleto, mas de propaganda. Através da propaganda comprada pelas empresas, as emissoras de TV ganham dinheiro e investem em programas interessantes para o público, para gerar audiência e consequentemente atrair novos propagandistas.

É super comum ouvirmos dizer que ela segue um viés ideológico, mas tanto os pró governo quanto a oposição dizem isso, não é engraçado? Eu não quero acreditar que milhares de profissionais seguem fielmente uma cartilha dogmática, então escolhi pensar nessa suposta "compra" como algo mais pragmático.

O estado é o maior propagandista da televisão apesar de não ter competição nos mercados que atua, pois ainda que não precise competir para oferecer o melhor produto, nós continuamos consumindo seus serviços, mesmo a contra-gosto. Então, se para ele a propaganda não deve ser o fim em si, o que seria? Indiretamente, um pouco de controle de o que não se pode falar.
Na minha opinião, o governo está comprando tipo uma carteira de investidor nos canais de TV. Isso significa que, quanto mais cara é uma propaganda e quanto mais propagandas são compradas, mais poder de decisão o governo tem sobre o que vai ou não ser veiculado. Como assim? Não quer dizer que o estado vá ordenar uma cartilha, não. Significa apenas que, se começar a falar muito o que não agrada, aquela emissora terá menos propagandas governamentais, portanto menos dinheiro; o que prejudica na qualidade do material utilizado nos programas, diminui o salário dos atores e outros funcionários, o que torna a emissora menos competitiva pela audiência, que portanto atrai menos investidores interessados em propagandear seus produtos e a torna mais dependente ainda da propaganda estatal. Assim funciona a compra da mídia na democracia.

Esse é o motivo de termos tantas propagandas do MEC, do Ministério da Saúde, da Petrobrás, dos Correios, disso e daquilo em canais grande como a Globo. E por esse mesmo motivo, por exemplo, a rede Globo abandonou uma tomada ao vivo na frente do Congresso durante o Jornal da Globo, pelo simples fato de cerca de 20 integrantes do MBL aparecerem de fundo, marcando presença no acampamento que montaram para pressionar o governo.

Quanto maior a disputa para comprar alguns minutos de propaganda em um canal, mais caro se torna o minuto. Quanto mais caro o minuto, menos dinheiro sobra para investir em melhores publicitários e no melhor equipamento, pois o orçamento é limitado; e a partir do momento que a propaganda fica mais cara do que o seu retorno, ela se torna inviável. Seria esse o motivo de tantas propagandas privadas serem ruins e de termos tão pouca variedade de anunciantes? Tendo a acreditar que, em parte, sim.
Ou seja, enquanto o dinheiro público é utilizado para propagandear o governo, os produtos que gostaríamos de conhecer melhor passam longe da televisão por não terem recursos o suficiente para competir por um lugar na telinha, restando apenas as grandes empresas (quem nem precisam realmente de propaganda) e o governo (menos ainda). Isso afeta ainda mais a livre-concorrência no país e nos afasta de novos empreendedores. É um ciclo vicioso.

Por essas e outras que hoje, em vez de me pentear e sentar no sofá para ver tv, eu larguei de ser boba e vim estudar.

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